sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A contemporaneidade e a moda - Abril de 2009 por Renata Cuono

QUARTA-FEIRA, 22 DE ABRIL DE 2009

A contemporaneidade e a moda

Incrível como algumas pessoas conseguem manter-se renovadas toda a vida. Acompanhei as palestras da Marie Ruckie na semana passada, em São Paulo, e posso dizer que não conheço ninguém mais jovem do que ela. Marie deu uma aula de contemporaneidade e estar ali para ouvir os seus ensinamentos me fez bem à cabeça e à alma.
Marie Ruckie encerrou sua estadia em São Paulo com uma palestra encantadora e contou coisas da história da moda que nunca encontraremos nos livros. Começou contrapondo Elsa Schiaparelli e Coco Chanel e finalizou todo o conteúdo da palestra com uma ponte entre o que já aconteceu no passado da moda e o que acontece hoje, mostrando que nenhuma semelhança é mera coincidência. Aliás, não acredito que coincidências existam. Não na moda, onde o inconsciente coletivo está tão presente.
Schiaparelli, para quem não sabe, fez parte da vanguarda artística de sua época (anos 1920) e começou sua carreira muito jovem. Sua família era de intelectuais italianos, mas a ânsia de Schiaparelli pelo novo a fez habitar vários lugares diferentes, como Paris (onde ficou conhecida), Londres e Nova York. Talvez esse conhecimento do mundo a permitisse enxergar a moda para muito além da roupa, sendo a primeira estilista a conciliar arte e moda.
Schiaparelli não tinha tanta lenda quanto Chanel, mas tinha verdades. Era uma pessoa muito íntegra. Coco Chanel, por sua vez, sentiu necessidade de mentir seu passado para estar entre a burguesia.
A marca Chanel, atualmente, continua firme e forte. A mesma coisa não aconteceu com Schiaparelli, que é uma marca muito mais complexa de ser trabalhada. Atualmente foi comprada pelo grupo TOD'S, que tentou reascender a marca, mas talvez ela seja uma das marcas mais difíceis de ressurgir. Isso porque suas roupas não tinham exatamente um traço estilístico, elas eram mais um cenário. Elsa era um personagem, sua noção de modernidade a fazia se adaptar a diferentes situações e pensava muitíssimo além de seu tempo. Segundo Ruckie, o que faz um estilista ser demodé é se prender em sua própria época. É necessário pensar além.
Schiaparelli, mais do que estilista, foi uma rainha do marketing. Fez objetos para vender que foram construídos em cima de sua própria lenda. Para relançar a marca, é necessário um criador como Schiaparelli, e este é o maior desafio. A marca carrega muitas fantasias, assim como Balenciaga. E, ironicamente, ambas são marcas não conhecidas entre o grande público como Chanel é.
Chegando na contemporaneidade, uma das marcas mais significativas para a moda atual é Marc Jacobs. Marc é fascinado por Schiaparelli. Já fez parcerias com vários artistas, sendo um dos maiores representantes do cross over (colaboração artística entre as marcas). Schiaparelli já fazia isso nos anos 1920. Foi apresentada a Paul Poiret em 1922, quando retornou a Paris após estadia em Nova York e a sinergia entre os dois foi muito relevante para a história da moda. Schiaparelli e Poiret foram o primeiro caso de ajuda entre criadores. Se Marc hoje representa tão bem o cross over, foi porque um dia Schiaparelli o inventou.
Schiaparelli jogava muito com as épocas, criou o vintage antes de ele existir. Foi exemplo de vanguardismo para sua época, assim como Marc Jacobs é hoje, misturando várias épocas de uma forma descolada.
O estudo de marketing que podemos tirar com a história de Schiaparelli é o que a assemelha a Marc Jacobs hoje. A bolsa Louis Vuitton só é vendida por causa da roupa Vuitton, que cria a lenda para a marca. Como seu preço não é vendável, o desejo pelo consumo se reflete nos acessórios. É preciso saber jogar com as estratégias de marketing que a história da moda nos ensinou, antes mesmo do termo existir. E é imprescindível saber captar a contemporaneidade e traduzí-la em cada criação. Este é um desafio de muitos estilistas hoje em dia, principalmente os sucessores dos grandes criadores que ajudaram a construir a história da moda. Fazer o vintage ser contemporâneo, como Elsa Schiaparelli conseguiu.
Não será fácil substituir Schiaparelli.

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